Jornalzinho

Share this post

Uma pitada de felicidade

cebolanamanteiga.substack.com

Uma pitada de felicidade

Carolina Dini
Feb 5
88
42
Share this post

Uma pitada de felicidade

cebolanamanteiga.substack.com

Maratonei O Urso (The Bear, na Star+) e gostei muito da narrativa. Tem muito ali do comportamento que já vi dentro das cozinhas profissionais: os egos pegando fogo, o piso pregando a óleo, os equipamentos dando problema toda semana, as pessoas sonhando com ingredientes e receitas ao mesmo tempo em que têm ataques de fúria e ansiedade, a correria interminável das compras e do controle de estoque, o atraso dos fornecedores… Mas também: a emoção do comensal ao provar uma colherada de algum prato exaustivamente testado, o alívio das bancadas impecáveis no fim do expediente, a leitura e pesquisa que envolvem as criações, a felicidade do cozinheiro que aprende a fermentar e descobre o sabor umami nas frutas e vegetais… Foi bom demais assistir e relembrar por que a cozinha ocupa um espaço tão grande na minha vida.


Dia desses fui jantar no Quincho, um restaurante de São Paulo onde se acha de tudo no cardápio, menos carne. Um sonho para veganos e vegetarianos — é gostoso ver a produção da cozinha de perto. Estava eu, sozinha no balcão curtindo meu drinque de cajuína sem álcool, quando escutei um cliente indignado por ter parado sem querer num restaurante que não vende carne. Ele passou pelo menos meia hora grunhindo na cabeça dos mixologistas, dizendo que “comida de sustância não pode ser assim”. Nesse dia eu venci na vida, pois consegui não iniciar uma conversa filosófica com esse ser, que estava apenas reproduzindo uma lógica social perversa, que também habita o mundo gastronômico: as pessoas ainda acham que a cozinha vegetal é feita de “comidinhas”. Desprezam as técnicas vegetais, super complexas, para enaltecer bifes sangrentos cujo processo de feitio é, na maior parte das vezes, temperar e selar! Vai entender, né?


Penso muito na morte, não só na dos bichos que vão para as panelas, mas na minha também. Talvez porque moro num bairro com várias casas destinadas ao cuidado de idosos, então vira e mexe eu vejo uma ambulância chegando para transportar pessoas de idade bastante avançada e doentes, ou corpos já sem vida. Gosto de pensar na morte como um caminho a ser percorrido.

Sei lá o que vai acontecer depois que ela chegar (espero que venha através da figura de uma mulher bonita e de voz doce, igual uma a personagem que representa a morte no seriado Sandman). Ter consciência do fim da minha vida e não ver a morte como um tabu me faz querer viver com mais intensidade: me despeço com amor dos amigos, coloco a mesa para celebrar a comida que faço, me alegro tomando água com um ramo do alecrim que plantei durante a pandemia, sorrio maratonando memes, me permito sonhar alto, como se qualquer coisa que desejo fosse possível de se materializar em algum momento e, especialmente, levanto cedo para receber a luz do dia e tomar café em silêncio, aguardando o que o dia tem para oferecer. Estou viva.


Durante a pandemia minha espiritualidade ficou guardada numa gaveta. Tenho retomado aos poucos a crença numa força superior que supere o sentimento de ódio, cansaço e exploração causado pelo capitalismo. Busco uma força que me acorde de manhã feliz, com a sensação de que cada dia vale a pena, mesmo os chatos. Reforcei que minha espiritualidade não é exatamente espiritual: ela mora na meditação, por mais clichê que isso pareça. Li mais uma matéria sobre um monge que se submeteu a um teste clínico com mil fiações pregadas na cabeça, e a conclusão é que ele consegue atingir níveis absurdos de felicidade meditando.

Depois disso, tento não ligar celular no primeiro momento da manhã: passo um café, depois me dedico à meditação por pelo menos cinco minutos. Quando o senso de urgência e ansiedade estão baixos, consigo ler algo antes de me perder nas redes sociais. Ainda que às vezes eu esteja bamba de uma noite insone e só consiga ter pensamentos catastróficos, sigo ali tentando meditar, firme no propósito de iluminar meu cérebro com uma pitada da felicidade que o tal monge deve guardar em seu dedo mindinho. Um passo de cada vez. E é na meditação que algumas ideias culinárias surgem: dia desses eu imaginei uma sopa feita com pimentões, tomates, alho e cogumelos. Levei a imaginação para a panela e posso jurar que é das sopas mais simples e especiais que já fiz.

Ingredientes para duas pessoas:

• 2 pimentões vermelhos 
• 3 tomates maduros
• 1/4 xícara de azeite
• 1 cabeça de alho negro (nota: sei que é difícil comprar alho negro, então testei também com alho cru e fica ótimo. nesse caso, refogar picadísismo no azeite antes de entrar com os outros ingredientes)
• 200g de cogumelos cortados em quartos (amo o portobello, mas vale qualquer outra espécie)
• sal a gosto
• cebolinha a gosto


Modo de fazer:

Bata no liquidificador os pimentões, os tomates, o sal e o alho negro; 

Leve o azeite para uma panela alta e deixe esquentar (se for o caso de usar o alho cru, frite agora);

Adicione o conteúdo do liquidificador na panela e deixe ferver em fogo baixo por pelo menos 20 minutos;

Incorpore os cogumelos na panela e deixe ali por uns quinze minutos, tomando cuidado para não desmancharem; 

Corrija o sal e sirva imediatamente com a cebolinha por cima.

Acompanha muito bem farias de pão de fermentação natural tostadas.


Autopropaganda da autônoma

Eu gostaria de enviar esta newsletter mais vezes por mês, mas o que me impede é a falta de tempo para me dedicar a ela. Além da escrita, que às vezes leva muitos dias, tem a remuneração que pago aos queridos que revisam e ilustram. Se você que me leu até aqui quiser considerar enviar um PIX de qualquer valor para pagar um cafezinho, segue a chave: carol@cebolanamanteiga.com.

Oficinas culinárias e eventos


No dia 12/02 vou cozinhar na Cozinha Ocupação 9 de Julho (SP) junto com o chef João Salinas, que comanda o Quincho Restaurante. Faremos um prato único vegetal, agroecológico e cheio de especiarias, com inspirações indianas. Cada marmita custará R$40, e a cada uma que for vendida, outra será doada. Nesse mesmo dia, dentro da Ocupação, vai rolar o bloco Ano Passado Eu Morri, Mas Esse Ano Eu não Morro. Pense na alegria da cozinheira? Vou amar se vocês puderem aparecer, é só chegar. A partir das 13h estaremos servindo.

No dia 12/03, às 10h, teremos aqui em Belo Horizonte a oficina Desvendando a Fermentação — a segunda do ano! Tomaremos um café da manhã juntos, falaremos de técnicas culinárias aplicadas na fermentação, faremos receitas e depois vamos almoçar todos os preparos juntos. Nos vemos? :)

Consultoria: Planejamento Alimentar

Sigo por aqui com as Consultorias de Planejamento Alimentar, que são um bálsamo na vida de quem corre muito, mas já entendeu a imensa importância de se ter autonomia na cozinha. Parece chato planejar, eu sei, mas posso dizer que sou piadista e tento tornar a conversa e o acompanhamento que faço mais leves sempre que possível :)

A função de cozinhar em casa é eterna, então se a gente entende que precisa fazer isso, pelo motivo que for, ou mete bronca mexendo panela ou paga alguém de forma justa para fazer. O outro cenário seria comer fora de casa. A questão é que em muitas cidades, comer fora não é algo que dá para manter a longo prazo, a maior parte dos PF’s têm mais ingredientes duvidosos do que um corpo suporta, os deliveries geralmente não fazem jus à foto de divulgação, e assim a vida vai ficando menos gostosa. Se quiserem me contratar para usar técnicas profissionais na sua cozinha doméstica, tenha ela o tamanho que for, eu tô aqui. Me dá um Oi?

Livros

Meus livros digitais Para Começar a Curtir: Fermentação de Vegetais e Me Tempera Que Eu Gosto seguem à venda.

O livro físico de poesia, Com os Dois Pés Na Cadeira, está em promoção no site da Quintal Edições. Já Cozinha Extrassensorial pode ser comprado no site da Laszlo.

***

A quem leu até aqui, deixe um comentário para eu saber que não tô falando sozinha? Me xinguem, me contem um caso, me amem, discordem ou concordem comigo? Vamos juntos!

Com amor e com fome de conversas, 
Carolina Dini


Revisão: Maria Fernanda (@cozinha.ambua)
Ilustrações e diagramação: Eduardo Albuqurque (@comidailustrada)

42
Share this post

Uma pitada de felicidade

cebolanamanteiga.substack.com
Previous
42 Comments
Luri
Writes Puxadinho do Luri
Feb 5Liked by Carolina Dini

Eu acho a constante reflexão sobre a própria mortalidade uma das mais poderosas que o budismo me trouxe. Também intensifiquei muito meu lado espiritual nesse entremeio entre pandemia e monstruosidade fascista. Pelo menos pra mim, é uma dimensão que acho que podemos até considerar anticapitalista de uma certa maneira, botando na mesa que o materialismo cru é o que move o dito cujo.

Super bonita sua news, como sempre, Carol. :*

Expand full comment
Reply
1 reply by Carolina Dini
Diane Otília
Feb 5Liked by Carolina Dini

Oi, Carol! Venho confessar que comecei a correr por influencia sua de ver lá no Twitter suas fotos mó feliz no pós-corrida (eu sou do time da bicicleta). Acabei de chegar da corridinha e dei de cara com a sua newsletter, que felicidade! Gosto demais de acompanhar seus processos ❤️

Expand full comment
Reply
1 reply by Carolina Dini
40 more comments…
TopNewCommunity

No posts

Ready for more?

© 2023 Carolina Dini
Privacy ∙ Terms ∙ Collection notice
Start WritingGet the app
Substack is the home for great writing