fiz duas mudanças no último mês e, ao tirar tudo dos lugares onde estavam para colocar em outros, de tamanhos e configurações diversas, me lembrou a condição humana de ser um bicho, já que, assim como meu cachorro, estou sofrendo com as adaptações: mudaram os cheiros, os barulhos, a luz que entra na cozinha, meus lugares preferidos para ler, dentre outras quietudes que já estavam assentadas no meu ambiente. minha terapeuta tenta me lembrar que só quando as coisas putrefam é que outras conseguem nascer. assisti o documentário “Wrought”, pela terceira vez, para reforçar esse pensamento básico: nunca mais o gosto dos crepúsculos serão iguais (ainda bem!).
meu sogro adora ir ao ferro velho que tem do lado de sua casa comprar uns cacarecos para fazer utensílios domésticos, tipo um micro-ondas que ninguém dava mais nada por aquilo... Ele tem a manha com tudo que passa pela parte elétrica e mecânica, adora consertar coisas, usando pouquíssimos reais, para depois doar. a pira é ver como os equipamentos funcionam por dentro e acho isso bonito demais. ele, que lê essa newsletter, está no CTI tem mais de mês e estou torcendo por sua melhora. quero queimar um pão de alho na churrasqueira que ele fez para mim, reutilizando peças que ninguém mais queria… isso me emociona muito.
gostaria de abolir a fumaça líquida do mundo: apesar de acessível, o defumado fica com gosto de carvão velho que tomou chuva durante três dias seguidos. a melhor substituição é uma gota de óleo essencial de bétula branca, que não é nada barato, mas é agradabilíssima ao paladar!
Rubem Alves falou certa vez, numa frase que não me recordo muito bem, que cozinhar é bruxaria e, quem come, gosta de ser enfeitiçado. aposto que quando ele escreveu isso ainda não existiam as dark kitchens do ifood…
as pessoas inventam muitas regras na hora de cozinhar e comer. se esquecem que o mundo é vasto: há quem coma polvo vivo, formigas fritas, sorvete com batata frita e até tubarões enterrados. quando publiquei uma receita de molho de tomate com chocolate, uma moça equivocada determinou: “ácido não combina com ácido”. deixei ela viver essa verdade pessoal e não respondi o comentário, pois pouco me importa se ela não abre espaço para experimentar novos sabores! quem sou eu para ditar a forma como o outro goza pela boca?! comer é predicado individual e, exceto a necessidade coletiva de nos preocuparmos com questões políticas que o governo não trata como deveria, como a exploração animal e a sustentabilidade, o comensal não pode ser julgado pelos seus hábitos e criações sem entender o que há por trás de um prato.
durante os trinta dias que passei viajando pela Itália, comi pizzas de diversas configurações: feitas com levain e fermento biológico, massas gordas e massas fininhas, apenas com pomodoro por cima e outras entupidas de mussarela de péssima qualidade, teve até a que veio com o manjericão assado. mas aí o cidadão brasileiro médio, que aprendeu sobre a cultura italiana vendo a novela “Terra Nostra”, vem dizer que pizza italiana “de verdade” não pode levar nenhum vegetal fermentado no recheio.
fiz 36 anos e estou no caminho de entender que minha felicidade em relação ao meu corpo ditam a forma como me coloco no mundo, mas, no fim das contas, o corpo é só um ajudante, um espaço possível onde os sonhos habitam.
o jornalista gastronômico Rafael Tonon fez uma lista de coisas e ingredientes que espera não ver nos restaurantes futuramente, dentre elas, “gentrificação de ingredientes” (sabe quando um grupo de chefs pega um produto muito trivial e o transformam em culto? então!), “águas importadas”, “menus monossilábicos e garçons verborrágicos”; “steak” de vegetais, comidas “plant based” e por aí vai. essa lista me instigou: lembro que já achei chique sair para jantar e pedir uma garrafinha de água importada, sendo que moro no Brasil, o país onde 12% da água doce do mundo se concentra. ainda bem que a gente vai questionando e melhorando coletivamente!
se eu fosse jornalista gastronômica, alongaria a lista do Tonon para extirpar do mundo, além da fumaça líquida, “comidas ancestrais” feitas por chefs brancos ricos em homenagem a mulheres em situação de esquecimento, “avocado toast” e “Proteína Texturizada de Soja” (PTS) ou, para os íntimos, “Proteína Transgênica Sebosa”.
confesso que queria ter a coragem da artista Allez Celine, que cria memes e diz verdades sobre o universo gastronômico, com todas aquelas coisas que todo mundo comenta nos bastidores, mas não tem as caras de colocar na mesa. talvez, eu até tenha um perfil de memes criados através de uma inteligência artificial, mas nunca vou revelar a autoria. direto me sinto cutucada pelas coisas que a Allez fala… Ela é capaz de me fazer repensar minha cozinha. e a verdade é que ninguém é um alecrim dourado com condutas impecáveis: todos mudamos de opinião e somos contraditórios — é isso que torna alguém uma pessoa interessante.
nesse mesmo minuto tem alguém mordendo um biscoito murcho, uma tia comendo uma goiaba bichada, uma moça gozando, uma menina colhendo flores, um rapaz refogando alho e cebola, um senhor alimentando as galinhas, uma velha atravessando a faixa de pedestres para visitar os netos, uma feirante fechando a barraca, um motorista que acaba de cochilar tombar numa carreta cheia de laranjas, alguém ganhando na loteria e uma guria lamentando a perda de um amor, e outro alguém se apaixonando e sendo correspondido. gosto de pensar nisso para entender a pequenez dos meus problemas.
uma vida sem metáforas culinárias é uma vida azeda.
uma seguidora me questionou se cozinhar todos os dias para o meu marido, um homem branco, hétero e cis, com vários privilégios que eu não tenho, não seria uma condição submissa da minha parte. se esse recorte for feito de forma superficial, a resposta é sim. mas eu estava comendo um caldinho de feijão com ele na mesa da casa que alugamos juntos enquanto víamos as trezentas plantas que ele cuida diariamente com muito cuidado e fiquei pensando sobre como é importante, para mim, cozinhar e comer com as pessoas que eu amo. tem um aconchego nesse negócio de partilhar o almoço, estender um pano sem manchas, alcançar para o outro o picado de ervas, dentre outras minúcias cotidianas. comer acompanhada é uma das maiores alegrias que tenho. a vida real não é, definitivamente, uma problematização rasa do twitter.
às vezes, eu queria ser um escorredor de louças carregado de pratos limpos, repousado numa pia impecavelmente limpa com cloro, recebendo o sol morno das treze horas numa tarde de outono. maior satisfação não deve haver.
brinco que minhas amigas mais próximas são também namoradas: levo para jantar, faço comidas elaboradas, reservo a sexta à noite para conhecer aquele novo restaurante, guardo o filme recém lançado para assistir coladinha nelas. são namoros sem tesão sexual, mas com muita pulsão de vida, que me preenchem como pessoa. descentralizar a relação romântica que tenho com o meu marido é uma forma de me manter independente e não sobrecarregá-lo. um baita ato de amor.
considere apoiar o Cebola Na Manteiga
(hoje, a autopropaganda tá caprichada para eu conseguir equipar minha cozinha, tá?)
o Cebola na Manteiga é um dos trabalhos que faço para pagar os boletos. tento levar para as pessoas, de forma gratuita, um pedacinho das consultorias de planejamento alimentar, um recorte ou complemento dos textos que estão nos meus livros físicos e digitais, algumas das receitas que crio e vendo para restaurantes ou faço nos eventos privados que vocês nem ficam sabendo, dentre outras coisas.
tento manter ativa a minha vida de escritora, criadora de conteúdo e cozinheira autônoma fluindo, sem precisar monetizar todas as minhas ideias ou me submeter às muitas propostas de campanhas publicitárias para marcas e corporações que não quero divulgar, além de pegar freelas administrativos como advogada, apesar de querer muito desativar minha OAB.
e tô aqui contando sobre o meu lento e feliz processo de migração total de carreira, que vem se desenrolando há quatro anos, pois estou na fase de reformar um espaço e equipar a cozinha na qual pretendo gravar vídeos para as redes e receber pessoas para as oficinas! :)
pois bem, uma forma de fazer isso acontecer o mais rápido possível é recebendo um apoio mensal de quem acompanha meu trabalho de perto, e eu acredito que você, que está aqui me lendo agorinha, talvez seja o mais perto que as redes permitem.
tudo isso para, sinceramente, fazer a propaganda da autônoma: considere me apoiar com R$10 mensais?! você não tem ideia do incentivo que esse apoio representa! 🙂
percursos e planejamento
se você me contratou para uma consultoria nos últimos anos e quer retomar esse papo, eu sigo, aqui, disposta a ajudar com a rotina. muitas coisas mudaram de lá para cá e pode ser legal afinar o olhar sobre como você pode se organizar, com um papel ideias que podem ajudar na prática cotidiana de mexer as panelas.
é gostoso, com o passar do tempo, repensar os passos do método que uso para ensinar as pessoas. estão presentes na consultoria de planejamento alimentar muitas das coisas que aprendi nos diversos restaurantes pelos quais passei, seja dando consultorias para criar menus ou pratos, nos estágios, feiras, congressos e todo o tipo de evento que vocês pensarem, dos voluntários para mais de mil pessoas aos privados, que quase nunca aparecem nas redes.
tô sempre por ali e aqui, pesquisando e aprendendo com pessoas queridas que se dispõem a mexer as panelas comigo. resumindo, eu dou conselhos sobre como pensar um repertório de pratos que abrace o Guia Alimentar Para a População Brasileira sem entregar dietas, falar sobre calorias ou quanto cada um deve comer. não é sobre saúde e nem sobre fazer prato surpreendente, e sim um método pensado para ter sempre comida à mão, sem ter que fazer tudo do zero, incluindo formas de fermentar e armazenar alimentos, dentre outras coisas.
para quem quiser começar agora ou refinar o planejamento: tenho três vagas ainda para este mês de junho. é só me dar um OI para receber um PDF que explica como funcionam os combos e preços flexíveis que pratico para acompanhar pessoas que colocam as mãos nos potes.
oficina de fermentação em SP
Alô, São Paulo, nesta segunda-feira, 26/4, teremos uma oficina muito especial no Quincho, um dos restaurantes de comida vegetal que mais gosto. vou ensinar muitas técnicas culinárias, com direito a comidas incríveis em parceria com a equipe do Quincho!
e se quiser ver conteúdos gostosos cozidos por várias mãos:
apoie o Cebola na Manteiga :)
com amor e com fome,
Carolina Dini
Oi, Carol, tudo bem?
Você falou das suas amigas e quero te contar das minhas também.
A Aline, amiga queridíssima - irmã da Alice (<3) - me presenteou com o seu livro "Com os dois pés na cadeira" o qual já li duas vezes. E, não somente me identifiquei com as suas palavras, como pude reconhecer o nosso amor em comum por Adélia. Depois disso, minha professora de yoga e grande amiga, Stephanie, veio para uma aula na minha casa, viu o seu livro na estante e perguntou: "Ué, mas de onde você conhece a Carol"? A Carol ainda não conheço, as palavras dela, sim! - Respondi.
Eu amo o que as palavras, as amigas, a comida, a poesia... é capaz de fazer!
Acabei de chegar no Substack e estou adorando o Jornalzinho!
Um beijo!
Jornalzinho está entre as coisas que mais tenho gostado de ler ultimamente. Bom demais abrir a caixa de e-mails nos raros momentos de tranquilidade e encontrar sua escrita tão cheia de sabores (e as metáforas culinárias que definitivmente dão um colorido pra vida, impedindo-a de ser azeda).
Beijo grande procê, Carol!