quadrinho do Mau
Aos dez anos de idade, eu tive acesso ao primeiro computador. Morava no interior de Minas Gerais e lembro perfeitamente da novidade do barulho da primeira conexão discada. Desde então, eu crio e me conecto através da internet: já tive blogs, fiz vlogs e até um namoradinho pelo chat da Uol.
Durante anos, subornei minha irmã mais nova em troca de mais tempo online, já que a cota semanal era pouca e eu ainda tinha que dividi-la com ela. O suborno? Trocar papéis de carta da coleção que eu tinha por horas na internet discada.
Lembro que, em certo momento, as operadoras começaram a liberar depois da meia-noite a conexão gratuita. Eu tratava de, no sigilo da madrugada, ficar horas ali, conectada. Simplesmente tudo para uma geminiana com lua em gêmeos. Mas esse não é um texto nostálgico de uma millenial: é um desabafo de uma pessoa que cria conteúdo há anos, em várias redes.
Nunca me preocupei muito com os números, porque acho que a consistência do conteúdo importa muito mais (sinto que finalmente as pessoas estão voltando a pensar assim. Ou será que estou otimista além da conta?). Também não crio pensando em viralizar vídeos ou alcançar novos assinantes com textos-bait. Prefiro manter minha comunidade engajada através de assuntos consistentes, que são realmente do meu interesse, apesar de saber que traduzir receitas e copiar trends quem bombam lá fora dá bastante dinheiro, e que, se eu aceitasse qualquer tipo de publicidade que chega para divulgar produtos que eu nem uso, já estaria com uma conta bancária bem gorda.
Sempre fui feliz com a minha comunidade, que cresce organicamente: se até as pessoas que me inspiram acompanham meu trabalho e às vezes trocam comigo, alguma coisa certa estou fazendo! No fim das contas, tudo é linguagem, e compartilhar o que realmente faz meus olhos brilharem é o que me mantém nas redes.
No entanto, tenho sentido profundamente as recentes mudanças da META. Ler os Termos de Uso dos aplicativos é ter a certeza de que estamos entregando a alma em troca de likes. Me sinto refém de uma internet que, como diria o MC Saci, é tóxica. E, com essas mudanças, a gente vai se obrigando a mudar junto, mesmo quando isso significa perder um pouco da essência do que fazemos.
Todos nós, “criativos” (é assim que dizem na publicidade), estamos aqui tentando pagar nossas contas. Criar custa muito dinheiro e, ao mesmo tempo, somos pressionados a engajar, a parecer felizes todos os dias, a cumprir prazos e a atender expectativas que muitas vezes não fazem sentido.
Quando me acostumei a clicar fotos, por exemplo, vieram os vídeos. Quando habituei a me filmar com a câmera frontal do celular e a filmar receitas, as redes passaram a exigir takes cada vez mais rápidos, conteúdos cada vez mais "aesthetic’s”. Agora, aparentemente, conteúdos de gaveta (aqueles produzidos com antecedência) já não engajam tanto. Tudo muda o tempo todo e quem sou eu, né? Até a Megan Fox sofre por nunca ser boa o suficiente, e olha que ela atende todos os requisitos que representam o que envolve um Globo de Ouro…
esse tuíte viralizou em 2022 e segue traduzindo o sentimento
No começo deste ano, eu cheguei a cogitar deixar de criar no Instagram, tenho visto muita gente aqui no Substack falando sobre isso. A ideia me deixou perdida porque, apesar das burocracias, o app é hoje minha principal fonte de troca com as pessoas, também é onde vendo meu serviço de consultora, meus livros e minhas oficinas. Ao mesmo tempo, precisamos todos de ferramentas menos nocivas.
Mas eu tenho esperanças: enquanto a META (que rege o uso do Instagram, do WhatsApp e do Facebook) parece cada vez mais distante das reais necessidades dos criadores, assim como o X, que pertence a um nazista, outras ferramentas têm surgido como alternativas.
Além do Substack, um exemplo é o Deepseek, uma tecnologia chinesa que, ao contrário de outras soluções de IA, parece entender melhor o contexto e oferecer respostas mais alinhadas com os usuários. É uma das muitas tecnologias chinesas que estão desafiando a hegemonia de empresas ocidentais como OpenAI (ChatGPT), Google (Gemini) e Microsoft. Ontem as ações das principais empresas de tecnologia dos Estados Unidos despencaram.
A China tem investido pesadamente em IA, é um país que está produzindo soluções competitivas e de alta qualidade. Isso, felizmente, está diversificando o mercado e oferecendo mais opções para usuários e empresas. Eu fico horas imaginando o que será do futuro da comunicação, e acho que nem nas minhas piras mais malucas eu conseguiria chegar perto de entender o que vem por aí nos próximos cinco anos.
O fato é que fiquei mais animada essa semana: com essas novas tecnologias, acho que todos nós, usuários das redes e “criativos”, vamos reaprender a usar a tecnologia sem nos sentirmos mais uma engrenagem em uma máquina gigante. No fim das contas, estamos aqui para nos conectar!
Poder falar dessas coisas através de um e-mail é libertador, pois sei que não dependo de um algoritmo para chegar até vocês. Ainda que venham as lives, as propagandas e os bots, fora a parte do app, haverá aqui no Substack sempre a garantia de que meus textos serão entregues! Obrigada pela leitura e companhia :)
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Com amor e com uma fome otimista de conexão,
Carolina Dini
Ainda bem que você "não aceita não". Só assim conseguiremos manter a criatividade e a sanidade.❤️
Que abraço quentinho essa News! 🥰