“vamos ver até que ponto somos capazes de nos imaginar radicalmente”
(Brigitte Vasallo)
o mês de abril começou difícil: tive dengue e fiquei dez dias de cama, pensando que ia morrer. foram tantas horas sem conseguir dormir, olhando para o teto, que, numa das paranóias de morte iminente, acabei lembrando de um papo que tive com minha irmã: se as estatísticas da idade da mulher no Brasil estiverem certas, considerando todos os meus privilégios e a minha atual condição de saúde, vou viver mais uns cinquenta e três anos, pois tento me cuidar para ter independência corporal e mental na velhice, e, ao longo dos últimos anos, manter hábitos saudáveis tem se tornado menos doloroso.
colocar a minha vida nessa perspectiva temporal, na semana em que me tornei o puro suco do drama, tédio e chororô, me fez ter mais capacidade de entender que, no cotidiano, meus problemas, minhas falhas e minhas contradições não são tão horrendas assim.
não é um lanche ultraprocessado da pior rede colonizadora que vai destruir a minha saúde. não é uma noitada regada a queijo de vaca derretido que vai me deixar culpada pelo aquecimento do planeta. não é a falta na terapia para fugir dos meus problemas que vai me tornar uma pessoa pior. não é a resposta atravessada na TPM que vai me tornar uma pessoa grosseira. não é a falta na academia que vai me deixar menos saudável e com menos energia de gostosa. não é semana planejamento zero na cozinha que vai tornar meu trabalho como planejadora menos brilhante.
a dengue foi, de longe, a pior sensação física e mental que vivi desde a pandemia, e deusa me livre de tirar uma lição desse inferno de doença que me fez dar várias voltas nos círculos de Dante, mas eu preciso dizer que voltei à ativa valorizando minha rotina, meus amigos e minhas contradições. as pulsões de morte, no fim das contas, precisam coexistir com a vontade de viver, e admitir isso é gostoso demais.
misturança da semana
de onde vêm as ideias? segundo Lela Brandão, “o ato criativo é espiritual”, e eu concordo com ela: ninguém cria nada, somos canais de comunicação.
“do indiano Achar ao Torshi iraniano, do Kimchi coreano ao Tsukemono japonês, do Chucrute alemão ao Chow-chow do sul dos Estados Unidos, toda cultura tem seu picles”. essa frase é da chef Samin Nosrat. então, qual seria o picles brasileiro? eu chuto o ovo rosa, que você pode fazer usando essa calda base para picles, ou a batata bolinha em conserva, um clássico de boteco.
muita gente me diz que tem medo de vender produtos e serviços e ficar à mercê do julgamento de outras pessoas. para deixar de ser low profile e materializar o eu artístico, sugiro um vídeo: medo de vender, por Tiago, do Tira no Papel.
o que a geração Z consome, com o que se importa? amei o formato e conteúdo dessa matéria, da Vogue Business. fico sempre de olho nas tendências e comportamentos das novas gerações, quero envelhecer sem me tornar uma tiazona.
cozinhar ouvindo música é minha paixão, e a cantora a Nath Rodrigues, além de estar sempre presente no meu fone, cria playlists que me inspiram.
esse vídeo que fiz em parceria com a Tuia.co, ensinando a fazer azeite de urucum (um lembrete para apreciar a beleza pela beleza).
voltei a praticar aquarela, pois, como boa geminiana, amo ser péssima em várias coisas, e tô feliz com o resgate desse hobby — lembrando que hobby é tudo o que a gente não faz com frequência e não pretende melhorar.
os quadros culinários da Jade Marra têm sutileza de detalhes e movimentos, parece que conversam com quem os observa.
a criação da língua
"Entre tantas coisas
numa separação
é também uma língua
que se extingue"
(Ana Martins Marques)
“Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver”
(Carlos Drummond de Andrade)
passei duas semanas no Rio de Janeiro trabalhando e pesquisando a comida vegetal carioca. o que mais amo quando viajo é mudar o contexto do cotidiano: percebo que meu vocabulário muda, crio outra língua a partir da relação com as pessoas no entorno.
pequenos gestos, como tomar uma infusão no cair da noite com alguém, durante vários dias seguidos, pode virar um hábito. no caso, o chá mate me pegou (e eu descobri, através da pesquisadora Luisa Macedo, que o mate vendido nas praias do Rio de Janeiro é um patrimônio da cidade, sendo que as receitas são feitas pelos próprios ambulantes, por isso têm um gosto tão diferente um do outro.
mas, além dos dias de sol regados a mate, tiveram os dias cinzas. segui sentindo a melancolia pós-dengue: o que, afinal, é estar só? me sinto só quando entrego minha sacola de praia cheia de objetos pessoais, inclusive meu diário, para uma pessoa desconhecida para poder entrar no mar? me sinto só contemplando as serras? me sinto só passando café no quarto alugado, com um coador improvisado, totalmente inapropriado? me sinto só trabalhando na cafeteria de uma cidade a ser conhecida? e, se tenho minhas palavras, um mate gelado com limão?
eu nunca acreditei muito nessa história de um hábito acontecer em vinte e um dias, acho que as ações permanecem quando a gente aprende a sentir saudade de alguma coisa que se torna cotidiana, como uma paisagem que se repete.
o corpo pede paisagens repetitivas. eu vivi isso em Bonito (MS): todo dia, no fim da tarde, saia para caminhar ou simplesmente para ver o pôr do sol. nos dias nublados, via o anoitecer, sem muitas perspectivas. fazia minha agenda de pessoa autônoma sem aceitar nenhum compromisso para aquele horário. retornando a Belo Horizonte, eu voltei a observar melhor o céu, esse mesmo que Drummond cita em vários poemas, esse que arranca um suspiro da gente. é por isso que moro em Belo Horizonte, mas eu tinha esquecido disso. tive que sair daqui para voltar e perceber a beleza desse cotidiano.
quando a gente passa a conviver muito com outros alguéns, alcançamos uma linguagem metafórica, adquirimos novas expressões, volto e observo a vida cotidiana, aquela mesma, idêntica, com outro olhar.
ah! e vou compartilhar com os assinantes que contribuem com minha escrita e pesquisa, num e-mail à parte, a planilha dos restaurantes e lugares que frequentei nas últimas experimentações no Rio de Janeiro, e todos contam com opções vegetais deliciosas!
eventos em BH
BH, 27/4 (neste sábado), das 15h às 19h30: teremos mais uma edição da Oficina de Fermentação, Conservação de Alimentos. como sempre, oferecerei um banquete especial, para servir de referência de sabor, com pães incríveis da Padoca do Biju e muitos produtos locais (R$ 530). ainda tenho 2 vagas: dá um OI!
BH, 30/04 (terça-feira), jantar: no Fugu Izakaya, com o chef e amigo Victor Naddeo, trazendo um menu de dez tempos (R$ 295, por pessoa). Omakase é um jantar cujo menu é surpresa. esperem por vegetais fermentados, marinados, braseados e assados, cheios de textura!
lista de espera das oficinas BH, SP, RJ:
vejo vocês?! :)
Com amor e com fome,
Carolina Dini
Revisão: Ana Luiza (@revisa.prosa)
Imagens: acervo pessoal
uma honra ter o meu vídeo indicado <3
Adoro seu jeito de escrever e de como a sua escrita se encontra comigo bem no meio dos meus bolôlôs existenciais. uma sorte a nossa poder ler você <3