Envelhecer é uma chatura: a textura do cabelo muda, as rugas fazem um olho parecer maior que o outro, a digestão já não é a mesma (especialmente nos dias de misturar bebidas alcoólicas), o sono fica mais irritado... Mas uma coisa não posso negar: achega uma tranquilidade perceptível, graças aos ciclos que se repetem, tipo fazer nhoque todo dia 29 ou pelo menos dois pães por mês. A repetição é uma coisa linda e subestimada.
Coloquei raspas de limão em pedaços de melão e fui feliz.
Minha terapeuta: “talvez você não precise pensar tanto, vai lá e faz, nem tudo tem explicação”. Foi assim que investi quarenta minutos na cozinha e fiz o pior bolo de feijão do mundo, super confiante que iria dar certo.
A Beth dos Licores foi esperta e fez um buraco enorme e vertical no solo rente ao pé da jabuticabeira, a fim de jogar água direto nas raízes. Achei genial, achava que o máximo que a galera fazia para ter jabuticaba o ano inteiro era um sistema de irrigação, que custa muito mais dinheiro. Essa ideia do cano deixar uma conexão direta com camadas mais profundas do solo é uma tática interessante, mas fico me perguntando se a longo prazo a jabuticabeira não vai se cansar de produzir com maior frequência. O mais interessante é pensar que, até chegarmos a uma conclusão, tanto a Beth quanto eu já teremos morrido, visto que essas árvores vivem muito mais que gente.
Estamos todos tão viciados em dopamina que as pessoas saem de casa para se emocionar com a comida dos restaurantes ao invés de simplesmente encher o buchinho e ter um momento legal que não implica em lavar louças.
É quase novembro: vi várias pessoas carregando carrinhos de mão cheios de jabuticaba no Centro. Acho incrível que a medida de um balde custe R$10, mas o tamanho desse balde pode ser baldinho ou baldão, tudo depende de quem vende e se tem ou não tem veneno.
Pensei que finalmente estava caindo um toró, mas era o barulho do vídeo de um jiló fritando, que ficou aberto no Tik Tok, rodando em looping. Bem que me disseram que o algoritmo dessa rede era bom (olha eu aqui pagando língua de novo).
Tenho inveja do meu cachorro, que tem um interesse limitado pela comida. Se não cuidar, passaria dias sem comer. Queria ser igual a ele e ter um botão que me faz parar de pensar em pratos, mas não só do ponto de vista de consumo, e sim do estudo, compras de ingredientes, concepção, etc... Comer é sempre a menor parte. Quando posso, penso numa técnica e passo as próximas duas horas meio obcecada pesquisando como se faz maniçoba do zero, por exemplo, ainda que provavelmente eu nunca vá me aventurar, dada a complexidade. Enquanto isso, meu cachorro tira um cochilo.
Cozinhar num país onde o povo vai voltar a comer é animador!
Ontem uma amiga que é mãe veio aqui em casa e me pediu para fazer qualquer comida: o importante era ela poder descansar da cozinha. Cozinhei angu mole com umbigo de banana, prato que ela nunca tinha comido antes. Criar memórias culinárias é o ápice da vida de uma cozinheira.
A vida inteira eu tive mania de escrever em pequenos pedaços de papel e depois perdê-los por aí. Tomara que um dia alguém recupere uma receita e tente fazer. Essa mania de escrever em papéis rasgados e guardanapos deve ser uma maneira inconsciente de me aproximar da Clarice Lispector.
Dar umas bocadas em comidas geladas na pia da cozinha: gosto de subversão.
Dia desses fui comprar azeite num supermercado popular e achei, no meio das bebidas, um manifesto enorme escrito à mão contra a Coca-Cola. Voltei para casa esperançosa.
Uma amiga provou um tempeh que eu trouxe da última oficina.. Fiz para ela grelhado no azeite e óleo de gergelim… Ela comeu e disse que tem gosto de “pão murcho que a gente tenta reviver na frigideira, mas não consegue”. Também comparou com corn flakes, “só que ruim”. Já um outro amigo gostou e repetiu. Eu amo as referências culinárias das pessoas, mesmo quando elas falam atrocidades.
Dois convites, pessoal!
Acabei de abrir vagas para um evento noturno delicioso:
Me Tempera Que Eu Gosto: A Oficina 🔥
17/11, às 19hs, no Espaço Casca (R$269)
Descrição das receitas abordadas e outros detalhes no link!
Também abri vagas para a Consultoria de Planejamento Alimentar, é só dar um Oi para ver como funciona (vem que te envio um PDF!).
Com amor e com fome,
Carolina Dini
Arte: Du, do @comidailustrada
Revisão de texto: Nina Rocha, @ninarocha
Delírios comestíveis
Ontem mesmo comentei com uma amiga que uma coisa que sinto falta morando em Berlim é jabuticaba 😋
Que delícia de jornalzinho foi esse! Não que não fossem os outros. Mas já começou com a sensação viva de ter tomado o cafezinho matinal e sentado a escrever com o que viesse à mão. Seja lá o que aconteceu quando escreveste, acertaste alguma veia esotérica que parece ter se conectado com muita gente. Ao menos comigo, foi aconchego puro.
Ps. Ainda acalendo a idéia dum pop-vegan em BH e espero ter essa prosa com um cafezim preto especialíssimo desses que temos nessa cidade premiada.