ando pensando muito nas cores por conta de uma eterna minirreforma que ando fazendo na cozinha. fico curiosa, observando como elas se contrapõem, escurecendo ou elevando o ambiente. e, também, como faz toda diferença numa foto a luz amarelo leitosa repousada sobre uma bancada escura, denunciando a borda queimada da broa de fubá recém tirada do forno.
na época em que eu morava com meus pais, outras coisas eram prioridade, não a decoração. foi com minha irmã Lorena, arquiteta e fotógrafa – e também libriana para os místicos, como eu –, que comecei a prestar mais atenção nos detalhes. ela tem um estúdio de fotografia em São Paulo e, pelo menos uma vez por semana, por conta dos trabalhos, precisa mudar a cor das paredes e do fundo infinito.
outro dia fiquei encantada escutando ela dizer como um espelho bem posicionado pode mudar toda a percepção que uma pessoa tem sobre si, pois o preenchimento pela luz traz imagens que imprimem bem as sombras e a profundidade, enquanto outras luzes podem distorcer nosso rosto, aumentando ou diminuindo olheiras, vincos, o tamanho do nariz ou dos olhos. tive uma boa prova disso quando troquei um espelho de lugar ao mudar de casa. eu me senti muito mais bonita.
a Lorena me apresentou o Evgen Bavcar, um fotógrafo cego, que usa a luz e sombra para criar imagens belíssimas. fico arrepiada de alegria ao pensar nesse estudo e no tanto que ainda tenho a aprender sobre os contrastes. também penso no pintor Cézanne, que pintou a montanha de Santa Vitória incontáveis vezes para encontrar na mesma paisagem luzes e sombras diferentes, esmiuçando horas do dia e estações do ano. um trabalho de cair o queixo.
antes de pintar a minha cozinha, perguntei para minha amiga, que é designer, como faria para “subir o tom” (como se a minha cozinha fosse uma música desafinada). e foi assim que pintei a cerâmica da parede onde está instalada a pia, que trazia bolinhas cinzas em relevo. a alternativa era arrancar toda aquela cerâmica e colocar outra, mas Renato, o pintor de paredes, me contou que conseguiria disfarçar meu incômodo com o cinza passando tinta branca em tudo. quando ele terminou o trabalho, a pia metálica imediatamente ganhou uma aura de frescor e limpeza.
é incrível como as cores mexem com nosso imaginário. no filme “Fome de Sucesso” – que de tão ruim, achei bom –, a protagonista e chef de cozinha estava conversando com um amigo pobre sobre como o que comemos deve ser bem apresentado, montado na pinça, ainda que estejamos falando da comida cotidiana ou que os ingredientes não sejam de boa qualidade. o amigo dela –que estava comendo uma sopa de miúdos enquanto ouvia aquilo – defendeu uma ideia contrária, a de que comia para sobreviver, pois as comidas chiques seriam reservadas para quem tem dinheiro, ao passo que os pobres deveriam se contentar com comida saborosa, barata e satisfatória.
a vida real não me permite criar pratos bonitos o tempo todo. nos dias tristes minhas montagens cotidianas ficam feias de dar dó, e para ser bem sincera, o máximo que faço é descongelar uma sopa preparada pelo eu do passado, certamente com uma cor de “burro fugido”, que eu tento amenizar acrescentando folhas frescas colhidas com muita preguiça da mini horta que ando cultivando. já nos dias de alegria, é um prazer imenso gastar alguns minutos a mais pensando nas cores, nas texturas e apresentação. é uma gostosura entregar para quem amo uma comida bem apresentada e é uma pena que as fotografias tiradas por uma pessoa amadora, como eu, não consigam imprimir a realidade na tela.
quando estou trabalhando, seja criando conteúdo ou pratos para restaurantes, tento antever a disposição da paleta de cores antes de começar a cozinhar, por exemplo, uma sopa de tomates com batata baroa, e imaginar esse caminho do cozimento me ajuda a reservar um punhado de salsinha fresca para a finalização ao invés de usar o maço inteiro durante o cozimento, o que vai garantir uma beleza adicional diante da cumbuca servida.
me encantam as cores. e esse amor me faz querer cultivar plantas de diferentes espécies, para vê-las crescer e adquirir, a cada passo, tons diferentes. tipo a gente com o passar dos anos: a pele vai ganhando marcas, pintinhas, calos, e muda de cor.
os dois livros que me estão me ajudando nesse estudo, para entender melhor as cores, são: “O guia completo da cor”, da Editora Senac São Paulo, e “As Cores na Arte”, de Giovanna Ranaldi, também do Senac. ainda sou um bebê engatinhando nesse assunto, mas quis compartilhar com vocês esse olhar que venho treinando.
por fim, deixo aqui uma paleta de cores inspiradas em filmes, que vi na news do Tiago do Tira do Papel, de quem sou fã.
a linguagem e o tempo
a Jana Viscardi, linguista, publicou um vídeo sobre a nova onda de usar o termo “amassar” para se referir às comidas que a gente come com tesão. achei um deleite.
talvez a passagem do tempo e a forma como ele muda tudo no cotidiano –do que comemos ao jeito que falamos –seja um dos meus assuntos preferidos. o tempo interfere na forma como me comunico e é inevitável não ser atropelada pelas novas redes sociais que aparecem a cada mês, caminhando num tempo completamente diferente das conexões feitas pelas nossas cabeças, sacodidas enquanto engolimos conteúdos que na maior parte das vezes não tem nada de conteúdo mesmo.
o tempo está sempre na minha escrita, no impacto sobre as receitas fermentadas – onde é o ingrediente principal –, nos meus livros, nas discussões sobre o envelhecer que vira e mexe aparecem – e até sobre a arte de morrer com dignidade. a passagem do tempo me assusta e me cativa.
sinceramente, acho que a gente faz muito mal de deixar a melhor garrafa de vinho para usar nas ocasiões super especiais. prefiro tomá-la num dia absolutamente ruim (junto com a tal da sopa congelada com cor de burro fugido), para que pelo menos eu possa comer antevendo a nova manhã que vai chegar.
no último mês perdi um amigo querido e foi duro perceber que não vou mais ouvi-lo falar que gostou de me ler por aqui. ele era sempre um balizador sobre o quão acessível minha linguagem está sendo às diferentes gerações. por isso, hoje, essa newsletter é uma homenagem a ele.
obrigada por tudo, Hugo, espero que você esteja tomando um vinho delicioso onde quer que esteja.
cores que me inspiram
os vídeos da cozinheira Marcella Cabral
os doces do confeiteiro Gui Poulain
as comidas delicadas da Camille Chamignon
a escrita cheia de beleza da Patty Durães
os becos infinitos da Camila Lacerda
as cores da Lena Mattar na cozinha
os vídeos apetitosos da Sophia Roe
os cafés coloridos do Plant Romance
as gostosuras, cores e sombras da Lili Fuji
as cores do artista Michell Lott
fofocas sobre os apoios mensais
esses dias eu estava na rua e o repasse do dinheiro de um dos atuais dezoito apoiadores dessa news chegou na minha conta: R$9,81. foi a grana certinha de pagar um café queimado e um xerox, fundamentais para minha sobrevivência naquela tarde de corres no Centrão. depois caiu um outro, no mesmo valor, e serviu para pagar o PIX do transporte. me senti tão, tão querida com esses menos de R$20 caindo na minha conta naquele dia, pois representam o carinho de quem me lê e acredita no meu trabalho.
está longe do ideal para cobrir meus custos com o tempo que invisto na escrita, mas quando penso numa sala cheia com essas dezoito pessoas, que mesmo sem receber recompensas e conteúdos extras, resolveram contribuir para a criação dos textos que coloco no mundo, fico feliz.
para cada edição do jornalzinho chegar na sua caixa de entrada, invisto meu tempo criando um roteiro e vou organizando minhas ideias e referências. aos poucos escrevo, apago, reviso, anexo os links. isso também serve para as receitas do blogue – que eu pretendo redesenhar um dia – e para as legendas do Instagram e do TikTok (me rendi à rede, ainda que tardiamente).
enquanto eu escrevo isso, fico pensado em como é bom comunicar com as pessoas numa rede que entrega meu conteúdo sem eu precisar escrever “TiqueTóque” para o algorítimo não me banir. juro, é uma benção!
sendo transparente, meu objetivo é conseguir pagar boletos com uma parte desses apoios, ainda que isso demore muuuuuuuito, pois isso vai me dar tempo para escrever mais livros. tô sonhadora demais? hahahaha
considera você também a contribuir com R$10/mês?
se quiser apoiar com um PIX, qualquer valor é válido: carol@cebolanamanteiga.com :)
consultorias
eu tenho dado prioridade às consultorias para restaurantes enquanto a reforma na minha cozinha não acaba, então, o número de vagas mensais para as consultorias individuais online para organizar a cozinha doméstica diminuiu. vou ter, até o fim do ano, apenas 6 vagas, com 5% de desconto para quem me lê aqui: me dê um “OIVIMDANEWS” no whatsapp que te conto os combos possíveis de serem contratados e também sobre os pagamentos flexíveis. cupom válido até 31/8!
livros digitais
Me Tempera Que Eu Gosto (R$24)
Para Começar a Curtir: Fermentação de Vegetais (R$32).
eventos em agosto
nos dias 19, 20, 26 e 27/8 vou estar em Tiradentes/MG, durante o Festival de Gastronomia Fartura, cozinhando um menu degustação vegetal em 4 tempos (R$200, com água da casa e um drinque incluso). para reservas, só clicar aqui.
no dia 19/8 também tem uma aula show ao vivo na Praça da Rodoviária de Tiradentes, cozinhando num tacho gigante uma comida vegetal de respeito. vejo alguém por lá?
com amor e com fome,
Carol Dini
créditos
as fotos são da Lorena Dini, minha irmã e maior inspiração, e a direção de arte da Giulia Barbero
revisão de texto: Luri (que escreve no Puxadinho do Luri)
diagramação e ilustração: @comidailustrada, pelas mãos do Eduardo Albuquerque
meu deus, essas cores do Plant Romance!!! obrigada por compartilhar
Você sempre me colocando pra pensar. Eu adorei o texto e agora estou num surto de decoração aqui em casa. 😂