Nem sempre dá pra postar tudo nas redes — tem coisa que merece um espaço mais profundo, sem distração. Minha newsletter é isso: uma pausa no feed, onde compartilho reflexões sobre comida, cozinha, cotidiano e o tanto de coisa que atravessa esses temas. Se você curte esse tipo de papo, considere apoiar meu trabalho? Custa pouco, me ajuda muito e você ainda recebe textos exclusivos e outros benefícios direto na sua caixa de entrada :)
Tenho pensado muito na minha velhice. Passo horas tentando planejar a direção do meu trabalho para desenhar um futuro que me leve aos lugares onde quero chegar. Em vinte ou trinta anos certamente estarei exercendo uma profissão relacionada à comida que ainda nem existe. Independente do meu ofício, quero estar forte para comprar pão na padaria aos noventa e três, e para isso amarrar meus cadarços sozinha, sem medo de cair e quebrar um osso — afinal, pessoas idosas caem, muitas vezes, porque não têm músculo.
Acho que só não mantive uma frequência decente de exercícios físicos durante a pandemia e até uns meses depois dela, sendo que eu dava meus pulos, pois é o único jeito de controlar minha ansiedade: na sala do apartamento pequeno, inventava de me equilibrar numa prancha ou rebolar num bambolê até suar a nuca — às vezes, as duas coisas ao mesmo tempo. Sentia falta dos treinos de força e das corridas, essa combinação deixa meu corpo forte.
Hoje eu corro tentando manter a cabeça reta, sem movimentar os membros superiores, com cuidado para não parecer um tiranossauro rex, concentrada apenas em abrir espaço para os pulmões.
Anos de prática depois, até consigo fazer algumas barras fixas mal executadas, abdominais firmes, mexo algumas partes do corpo que nem sabia existir. Falo brincando que minha busca pelos exercícios, combinada à colaboração do meu nutricionista, o ciclo circadiano em dia e minha dedicação à cozinha me tornaram mais feliz. Um clichê realista, mas eu certamente ganharia estrelinhas do Dr. Drauzio Varella.
Essa sensação de colocar o sangue para circular em cada pedaço do corpo me faz sentir mais viva. Sou curiosa e já tentei outras atividades físicas. Fico sempre me perguntando qual a sensação que a canoagem, as escaladas e os voos de parapente causam, aí vou lá e faço, alguns uma única vez. Tem coisas, tipo parapente, que não me dão a sensação de liberdade, e sim de mini morte: não quero nunca mais e espero não pagar língua.
Às vezes saio para correr com um brinco de argola e um pingente pendurado, e me desafio a ficar tão posturada a ponto de não deixar o pingente pendular e bater no meu fone de ouvido. Noutros dias, o desafio é manter meu cachorro na coleira durante todo o meu trajeto, que varia de cinco a dez quilômetros, conforme meu humor. em dias que aposto corrida imaginária com o atleta mais próximo, sem que ele perceba. Nem sempre venço: o importante é que aos oitenta anos eu tenha as pernas resistentes para agachar e pegar um talher que caiu, levantar minhas panelas e fazer as trasfegas dos vinagres.
E assim, logo eu, uma millennial criada com a necessidade imposta de ter “barriga negativa” e um “shape slim”, vou adquirindo mais volume nos braços e no tronco do que parece permitido às mulheres. "Você está tão forte", dizem com cara de espanto. Estou e tentarei ficar ainda mais nas próximas décadas. Se tudo der certo: resistente e aposentada, mexendo setenta litros de geleia de pimenta com amoras que eu mesma vou plantar e colher. Causarei preocupação aos familiares ao transportar meus caldeirões dali para cá, dançando com eles pela cozinha, obrigando o quarteirão a se perguntar de onde é que vem aquele aroma doce.
Não tenho corpo nem fôlego de atleta: a endorfina e os contornos que descobri nos ombros são apenas consequência dessa coisa maluca que é ficar viciada em treinar. Acho que essa palavra, “treinar”, traduz um sentimento que eu não sabia traduzir: agora vejo que é sobre treinar a disciplina e investir a longo prazo nesse conjunto de trilhões de microrganismos que é o meu corpo. Eles dependem de mim.
Se você gosta da minha escrita, considere apoiar com R$10/mês:
Trilha
Esfrego óleo de abacate nas minhas mãos ásperas
a começar uma busca dentro de mim
Reconheço-me humana
demasiadamente ambígua
tão ambígua que travo conversa comigo
refazendo argumentos
reforçando pontos mereciosos de atenção
descartando ideias
num debate nem sempre gentil
Investigo, escarafuncho, pergunto porquês
recebo, escuto, reforço, erro
O que preciso dizer
para mim?
Desnudo a rota dos caminhos possíveis
aqueço, sinto, saio da cadeira e danço
Enalteço meu corpo
cada dobra dele
até as falanges
dos dedinhos dos pés
e também a sobrancelha, que segura o suor para proteger os
olhos
ouvidos
internos que me equilibram
percorro cada pedaço cada
centro pequenino
agradeço o conjunto esplendoroso que me forma
corpo
com suas multi funções
independentes das minhas vontades
(poema que originalmente publiquei no livro Com Os Dois Pés Na Cadeira, 2022)
Na Smartfrita não tem isso
a adolescente que caminha com uma poodle de lacinho rosa
a equipe que se reveza para correr com pessoas cegas
as senhoras que praticam aikido
os velhinhos esbeltos da calistenia
a moça que passeia empurrando o carrinho do seu bebê
o casal idoso flanando de mãos dadas
o corredor atento vestindo meias azuis
o jovem de oitenta anos que se equilibra na mureta
todos no exercício da atenção
Come e Corre
As pessoas vivem me pedindo dicas de onde comer em Belo Horizonte, então criei um quadro no Instagram com o Alexandre, especialista em café, que se chama “Come e Corre”. O primeiro e o segundo trajeto já saíram no Instagram — a ideia é percorrer a cidade a pé, com pausas para comilanças deliciosas!
Oficina nova no ar, Belo Horizonte!
No sábado, 26 de abril, vou receber uma turma pequena e curiosa — só 12 pessoas — para um mergulho na fermentação de vegetais, cereais, leguminosas e oleaginosas.
É um encontro pensado pra quem quer experimentar, provar, conversar e sair de lá com mais liberdade na hora de cozinhar.
A ideia é transformar a sua relação com os fermentados, com técnicas que funcionam tanto em casa quanto em cozinhas profissionais.
Vem aprender a fermentar comigo? Aos apoiadores, tenho um cupom com 10% de desconto, é só dar um Oi aqui nos comentários que eu entro em contato!
Com amor e com fome,
Carolina Dini
Carol, não sei se já foi pauta da news ou de algum texto noutro lugar, mas adoraria saber mais sobre as origens da sua relação com os alimentos e a culinária ✨
muito legal o texto, fazem mais de 7 anos que treino (quase) todos os dias considerando, ou melhor, almejando ter a capacidade de fazer xixi sem ajuda pra levantar 🫣
e, tenho medo de altura mas quando pulei de parapente (com medo) eu adorei a sensação.
e, entendo super fazer só uma vez algumas coisas, porque assim a gente vai construindo as lembranças!