nesta edição, eis um guia para entender de vez o processo da lactofermentação: você só precisa ter em mãos seu vegetal preferido, sal e um pote de vidro para fermentar tudo usando a técnica das salmouras!
vegetais fermentados, para um café da manhã Na Fila do Pão (SP), 2023
foto por Tiana Martins
a bancada da minha cozinha, às vezes, não é suficiente para comportar todos os vegetais que fermento por meio de diversas técnicas. ando colecionando potes na geladeira e fora dela. voltei de uma viagem e resolvi envasar os vinagres que tinham ficado prontos, trocar os picles para potes menores, porque alguns já estavam acabando, fazer a trasfega de alguns molhos… uma trabalheira danada que, quando acaba, me dá a sensação de ter vencido na loteria!
esse é o tipo de tarefa que faço a cada quinze dias, para encher minhas geladeiras com ingredientes diversos fermentados, que não trazem necessariamente sabores ácidos: das favas gordas às cenouras, das panquecas de aveia com fubá às uvas e beterrabas, sejam esses ingredientes fermentados nas salmouras ou em caldas diversas para picles. isso facilita a vida na cozinha durante o mês e reverbera na minha saúde física e mental. mas, sinceramente, acho que cozinhar numa cozinha doméstica cotidianamente é um fardo, especialmente para mulheres com filhos, porém, consigo encontrar uma alegria nessa domesticidade e tenho ajudado diversas famílias a fazer o mesmo, desde que esse processo não tome tanto tempo.
a técnica de fermentar vegetais, frutas, folhas e afins numa salmoura tem várias camadas e esse guia vai te auxiliar no processo de planejar sua vida na cozinha!
os vegetais fermentados somam muito no arroz e feijão cotidianos. e, com as festas de fim de ano chegando, eis uma oportunidade de fermentar pequenas preciosidades para dar potes de presente para as pessoas queridas ou compor pratos diversos e montar mesas coloridas!
se você ainda não apoia meu trabalho independente pelas redes, saiba que qualquer contribuição será muito bem recebida! querendo contribuir, é só clicar no botão abaixo, vem? :)
a lactofermentação
favas na salmoura, da Oficina de Fermentação que lecionei no Quincho Restaurante, em São Paulo, registradas pelo Vitor Barão, em 2022.
a lactofermentação é um processo natural de conservação e transformação de alimentos, onde as bactérias, especialmente as do gênero Leuconostoc mesenteroides, numa fase inicial, e as Lactobacillus plantarum, num segundo momento, transformam açúcares em ácido lático. com o passar do tempo, o ingrediente vai ganhando sabores e cheiros complexos.
basicamente, quando mergulhamos um ingrediente num meio aquoso (salmoura) e cortamos o contato com o oxigênio (meio anaeróbico), impedimos o crescimento de bactérias indesejadas. o tempo e os microrganismos formam uma cultura viva que cria um sabor característico, ao mesmo tempo que aumentam a durabilidade do alimento. segundo o Sandor Katz, “todas as pessoas deste planeta têm contato com as bactérias ácido-láticas”.
quanto mais os dias passam, mais intensidade de sabor, aroma e textura, além de enriquecer o produto final com probióticos que favorecem nosso intestino.
o mais interessante, para mim, é ver o ingrediente se transformando! mas como chegar na textura perfeita? como garantir sucesso na fermentação? qual o percentual ideal de sal? quais ingredientes podem ser fermentados?
a bancada pronta para a fermentação dos quiabos
foto do Vitor Barão, 2024
os sais
antes de descobrir, vamos falar dos sais: a verdade é que tanto faz o tipo que você puder escolher ou tiver acesso. o ponto é que o sal integral não passa por um processo químico, ele tem uma composição muito rica, por isso vai entregar minerais para seu corpo e aumentar a percepção dos sabores.
a maioria das pessoas só conhecem um tipo de sal: aquele refinado, que contém apenas iodo e cloreto de sódio em sua composição. a Conceição Trucom e a Sônia Hirsch são as cozinheiras que mais li falando sobre isso. O Katz diz que, apesar do sal ser um ajudante da conservação, dá para fermentar vegetais sem salgar, de forma anaeróbica (sem oxigênio), somente pelo fato do ingrediente ficar submerso, o que já garante que a fermentação ocorra sem maiores problemas. mas eu sempre uso sal, porque é importante garantir que a fermentação vai acontecer sem maiores problemas mesmo quando estiver passando muitos dias fora de casa.
na costa nordestina brasileira, que vai do Ceará ao Rio Grande do Norte, temos uma região com uma das maiores extrações de sal do mundo: Mossoró! parte desse sal brasileiro vai para a indústria, em vários segmentos, e para a agropecuária (o famoso “sal de vaca”, que é impróprio para nosso consumo por conta da falta de higiene na armazenagem). esses sais podem ser encontrados em casas de produtos naturais e em muitos supermercados.
durante a limpeza da geladeira, que contei lá em cima, fiquei pensando qual receita eu poderia trazer, que não tivesse sido publicada ainda, para explicar como se fermenta ingredientes diversos numa salmoura. mas seria muito melhor se você escolhesse um ingrediente da sua região, que aflore em fartura nesta estação, mas que na estação oposta acabe entrando em período de escassez.
de Minas Gerais, só consigo pensar nas jabuticabas (aprendi a fermentá-las através do livro “Açúcar, álcool e vinagre”, da Cia. dos Fermentados), nos pequis e outras pequenas preciosidades, como sementes de coentro frescas, sementes de capuchinha, mini tomates…
e eu escolho fermentar esses ingredientes esporádicos e especiais numa salmoura, pois, quando não consigo acessar o ano todo, esse tipo de conserva, ao contrário do picles (que pode levar uma calda açucarada, vinagres, dentre outros.), preserva ao máximo o sabor original. e aí posso sentir o ingrediente ou a planta em seu estado mais puro nas mais diversas épocas do ano, satisfazendo meus desejos.
Continue a leitura com um teste grátis de 7 dias
Assine jornalzinho para continuar lendo esta publicação e obtenha 7 dias de acesso gratuito aos arquivos completos de publicações.