oi! para as pessoas que me apoiam, trouxe uma receita diretamente das minhas oficinas de fermentação, super fresca e inédita, para comemorar a primavera que se aproxima: ceviche de frutas! (confesso que talvez eu tenha até um pouco de ciúmes dela)
curtas
a beleza de cozinhar numa panela de ferro ultra quente é inversamente proporcional ao trabalho que dá lavar, curar, untar e guardá-la num lugar seco a cada usada. essa é a comparação culinária que mais associo a viver: não se pode ter só a beleza das coisas.
raramente vejo cuscuzeiras listadas por quem indica “utensílios imperdíveis para ter na cozinha e cozinhar melhor”. mesmo para quem mora só, indico as de três litros em inox, no melhor cenário de investimento. são práticas e para vida: além da obviedade de poder usar para fazer o amado cuscuz nordestino, feito de tantos modos Brasil afora, ela cozinha no vapor qualquer vegetal: ando viciada nos quiabos previamente salgados, mas ainda não há nada que se compare às batatas bolinha com sal e molho tahine. em dez minutos, a depender do corte, você tem qualquer vegetal pronto.
para os curiosos: para fazer o molho tahine, basta bater quatro colheres de sopa da pasta com uma xícara de água filtrada, sal e suco de limão a gosto (gosto de exagerar no limão e adicionar a água aos poucos, há dias em que quero fazer uma pasta mais grossa).
depois de passar a acompanhar o Fê Pacheco, tenho tido menos medo do futuro da humanidade inundado pelas Inteligências Artificiais, mas sigo feliz que nenhum desses robôs (ainda) tem poesia. e toda vez que uma nova IA revolucionária surge, lembro da subjetividade que só a gente, ser humano, tem.
num mundo onde apenas um nicho de pessoas compreende a complexidade que envolve o estudo das luzes e sombras, é muito cruel ser atingida por materiais audiovisuais onde onde mulheres são “corrigidas” com desfoque (blur): somem os sovacos, os joelhos, as rugas e aparecem caras harmonizadas, corpos magérrimos e peles que parecem uma cartolina lisa. o Instagram anunciou que vai parar de disponibilizar os filtros criados por usuários, e desde então tenho acompanhado discussões sobre o impacto disso na forma como nos comunicamos. quando voltarmos a amar as caras enrugadas, o que irão nos vender?
Sabor da Vida (Netflix) é o filme mais bonito que já vi sobre comida. as cenas lentas, o amor dos cozinheiros pelos processos, a delicadeza dos preparos… e também a realidade: as receitas dando errado quando a vida está caótica.
fui feliz cozinhando essa sopa de feijão manteiguinha ao som do novo disco da Esperanza Spalding com o Milton Nascimento, provavelmente um dos mais bonitos que ouvi nos últimos anos.
inspirações
tenho procurado um contraponto para estar menos tempo nas telas, e usar esse tempo para me reunir com pessoas em busca de novos ofícios, aulas, vivências e fazeres. isso tem me deixado mais criativa!
a oficina de escrita da Tais Bravo fala sobre como criar no texto uma semiótica para trazer ao leitor a sensação de tatear o cheiro e o gosto da cena narrada. quando na sala de aula ela pediu aos alunos que escrevessem uma receita, ainda que inventada, fiquei feliz ao lembrar do modo de preparo de um ceviche de manga. na oficina, essas foram essas palavras (gostosíssimas) e expressões que mais me marcaram: sustança, substância, sustento, necessidade, comunidade, prazer, lambança, lambuzar, lambrecar, “cozinha: coração da casa”, serviço, anises-estrelados, sedução e flerte no supermercado.
na oficina de arranjos da Marília Fialka pude antever uma aposentadoria onde farei arranjos com as flores plantadas no quintal. todos os dias cortarei as hastes das flores recém colhidas na diagonal com uma tesoura própria para isso, colocarei gelo na água e uma colherada de água sanitária para evitar a formação de fungos, estendendo o tempo da vida delas, e em consequência a minha também: a cada vez que uma delas morrer, terei mais noção da passagem do tempo.
tenho trocado com a escritora BKO (assinem a news dela, é incrível!), para entender melhor o formato dessas cartas aqui. o que trazer de informação para tornar nossa troca mais interessante? como vocês se sentem ao me ler? o que eu quero escrever, o que me encanta, por que é relevante? não tenho todas as respostas, mas estou buscando!
como nos conectamos?
se as novas gerações postam menos, engajam menos ao mesmo tempo em que estão cada vez mais conectadas, o que estamos fazendo online? e qual o futuro das redes sociais, e principalmente: qual nosso papel nelas?
o X foi banido no Brasil e na mesma semana eu neste trecho do Summer Hunter que as redes sociais existem há vinte anos. o que desesperadamente procuramos nelas?
“(...) quase 20 anos depois, as mídias sociais não cumpriram as promessas que fizeram a nós. Eles nos disseram que eram sobre amizade e conexão, descoberta e ultimamente, entretenimento. Mas as pessoas são mais solitárias, mais desconectadas e os algoritmos mostram que estamos presos em câmaras de eco de conteúdo”, diz Gabrielle Kaegler, consultora de marca.
trazendo para o recorte da cozinha: com a promessa de cozinharmos mais em casa, consumimos receitas, mas quem, de fato, está cozinhando? o eco do conteúdo está aí: muita gente guarda o ato de cozinhar para as ocasiões especiais, e raramente consegue cozinhar para si. e não é sobre procurar um culpado para isso: tem o fato que temos trabalhado exaustivamente, e também do excesso de telas. e aí, cozinhar em casa, que pode ser um ato de autocuidado e presença, também pode se perder na correria do dia a dia e no bombardeio constante de conteúdos digitais.
o jeito que mais ajuda meus alunos a se conectarem com a comida é: através da música (sempre ter uma boa playlist no fone), da arte e de ter um plano de ação para seguir.
se a pessoa gosta de lanches noturnos, vale muito a pena investir em aprender a fazer pastas a partir de leguminosas e oleaginosas. pequenos detalhes, como amolar as facas, ter uma tábua de corte grande e, principalmente, criar um gatilho para cozinhar mais, podem fazer a diferença. pode ser algo simples, como usar um avental, calçar sapatos confortáveis, comprar num brechó um pratinho belíssimo na sua cor favorita ou até mesmo adquirir um fogão bonito, quem sabe vermelho. uma trempe nova para substituir aquela já desgastada, que faz o fogão balançar, também pode ajudar!
o desafio não está apenas na promessa não cumprida das redes sociais, mas na forma como usamos o tempo que temos, e como nos relacionamos com as atividades que deveriam nos nutrir de verdade. a solução talvez esteja em reservar momentos para nós mesmos e em nos conectarmos com o que realmente importa. e estou pra te dizer que não são as quinze receitas com pistache que aparecem nas nossas telas o tempo todo. desejo que, na velhice, a gente não se arrependa de ter passado tanto tempo com a cara na luz azul.
quinze minutos de vedete
saíram duas receitas minhas na Revista Claudia: coalhada seca rosa, uma receita que faço há muitos anos, mas agora usando apenas o suco da beterraba para dar cor, e uma calda base cheirosa, com flores, para fermentar picles diversos
estou me sentindo chique depois de ter publicado minha primeira receita no Receitas, da Globo: tomates cereja lactofermentados! vem ver?
créditos
revisão: Nina Rocha
fotografia: Bruna Brandão
se gostou dessa edição, quer reclamar ou trocar uma ideia, deixe um comentário? eu sempre volto para ler e isso me motiva a escrever mais!
com amor e com fome,
Carolina Dini
aos apoiadores: ceviche de frutas!
rendimento: 1 litro, para guardar na geladeira e comer quando o calor bater
ingredientes:
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