um amigo querido, chamado João, escutando a cunhada contar como fazia arroz, soltou esta pérola maravilhosa: “seu arroz é sem graça porque você não frita o alho no óleo, o óleo é o busão do sabor!”. adorei a forma como ele sintetizou na metáfora um conhecimento técnico mesmo, que é usar a gordura como veículo para o sabor. é por isso que o chef indiano Vikram Vij ensina que o sabor das especiarias, por exemplo, fica mais aparente quando as levamos à frigideira quente: seus óleos essenciais soltam, elas tostam e isso agrega muito sabor aos pratos. com água na boca, percebo que a poesia na cozinha é necessária para que a gente consiga traduzir as técnicas de forma tão deliciosa quanto se quer o prato.
carteirinha de chef
eu uso o termo “chef” para me referir à minha profissão, pois acaba sendo a referência mais fácil para quem precisa compreender rapidamente o meu trabalho. na cabeça da maior parte das pessoas, o que faço para ganhar dinheiro é incompreensível, pois passa pela escrita, pela cozinha, pelas redes sociais e pelas consultorias. mesmo assim, há quem insista: como assim chef sem trabalhar num restaurante, sete dias na semana, fazendo dobras incansáveis? porém, agora, esse martírio vai acabar: renovei a carteirinha imaginária de chef de cozinha tatuando o braço esquerdo inteiro, e sei que não há prova maior de ser uma exímia cozinheira do que essa! agora vai…
carteirinha de chef (o retorno)
fase dois da carteirinha de chef de cozinha: terminei de assistir a segunda temporada da série The Bear, viciante para quem gosta de acompanhar o cotidiano na cozinha. o sentimento é ambíguo: ao mesmo tempo em que fiquei com vontade de abrir um restaurante, me deu gatilhos pelas vezes em que trabalhei nas cozinhas e tive que ouvir gritos de chefs que se acham detentores da verdade mundial. não há absolutamente nada no mundo que me convença da necessidade de violar o ouvido de qualquer pessoa que trabalhe num restaurante, como acontece muitas vezes na série, sob a justificativa de que servir comida é uma missão. a conta não fecha. mas, tirando essa romantização da violênci, gostei muito da parte que mostra as pesquisas gastronômicas para a criação de pratos, e eu funciono exatamente assim. é sempre bom lembrar que ninguém cria nada do zero: receitas e técnicas ancestrais são micélios que andam de mãos dadas e puxam, por si, outras técnicas e fazeres. a mão de quem cozinha é um dos detalhe, ainda que seja um trabalho com assinatura autoral.
copo cheio
é um parto toda vez que preciso me autorizar a fazer alguma coisa nova ou que exija muitos dias seguidos da minha atenção. tento ficar justificando se quero mesmo aquilo, se preciso mesmo, se deveria. tem uma saciedade inalcançável que sempre me visita, mas já me acostumei com essas crises de angústia, pois, não tem jeito, viver é isso mesmo: esvaziar e encher o copo, um pêndulo que vai e volta, bate e dói, estanca e sara. o famoso “dias de feijão queimado, dias de pudim feito por alguém que ama a gente”.
receitas são inúteis?
a primeira receita publicada na internet foi uma torta de limão, em 1997. ela surgiu graças à BBC, que teve um serviço de receitas, através do CEEFAX, que funcionou de 1974 até 2012. de lá para cá, temos milhares de receitas online, depositadas nos mais diversos meios. sabendo disso, comecei a publicar uma série de vídeos no Instagram e questionei num deles , filmado pela amiga e fotógrafa Marcella Cabral, sobre o tema: para que mais uma receita no mundo? o texto é um parágrafo da edição de maio desta newsletter, e achei incrível cruzar o mundo do texto com o audiovisual.
“dezembrada das ideias”
a Bruna, uma amiga, usou a frase “dezembrada das ideias” e eu compreendi imediatamente o sentimento de cansaço misturado com pouca bateria social. mas é inevitável frequentar as comemorações de fim de ano e, mesmo sendo uma mulher com um corpo dentro do padrão, quando penso nas receitas festivas, nas mil festinhas, banquetes e comemorações, começo a me preocupar com as questões que oprimem o meu corpo, como, por exemplo, o medo de não estar adequada vestindo um biquíni.
quando esse pensamento vem, tenho aprendido a colocar em prática a ideia de que os muitos excessos prazerosos se acumulam, sendo natural que o corpo se expanda gostosamente junto. esse vai ser meu jeito de me permitir, neste dezembro, a não subir na balança, a vestir meu bíquini minúsculo sem esconder a barriga com uma canga nos dias de calor e, especialmente, a comer demais e me permitir abrir o botão da calça.
desejo para quem de alguma maneira for participar de alguma comemoração, que você possa balançar muito os beiços, abrir os botões das calças, sujar a boca de gorduras, limpar as mãos azeitadas na canela da pessoa mais próxima sentada do seu lado à mesa e que, acima de tudo, tenham dias absolutamente “inúteis”! estamos vivos!
apoie meu trabalho :)
foi um prazer passar esse ano falando de comida e outras bobagens com vocês, e tenho planos que acho que vão gostar para 2024!
esta newsletter é minha tentativa de fugir dos algoritmos, de contar histórias e ser lida. aqui, exponho dores, descobertas e coisas que julgo interessantes. é trabalhoso pensar, escrever, reescrever e dar sentido às narrativas, sem verticalizar o texto.
há alguns meses, abri a possibilidade de ser apoiada, na tentativa de tornar o que escrevo acessível a quem tem interesse, sem exclusividade ou conteúdos fechados, e ao mesmo tempo remunerar o meu trabalho.
algumas pessoas que me encontram disseram que as edições estão cada vez mais interessantes, e eu gostaria muitíssimo de dedicar mais tempo a elas, por isso, fica aqui a oportunidade de apoiar meu trabalho e possibilitar mais qualidade de vida refletida em cada nova edição que está por vir!
outro forma de me apoiar é comprando um dos meus livros digitais, ambos na promoção até o Natal:
Para Começar a Curtir: Fermentação de Vegetais (R$16)
Me Tempera Que Eu Gosto (R$16)
e se quiser me contratar para um encontro online sobre como planejar a cozinha doméstica para comer mais em casa ou, se quiser uma edição autografada do meu livro de poesia, Com os Dois Pés Na Cadeira, me dê um Oi :)
com amor, com fome de festanças e lábios melados,
Carol Dini
Revisão por Ana Luiza (@revisa.prosa)
Ilustração e diagramação por Eduardo Albuquerque (@comidailustrada)
edição saborosa demais ❤️
🧡🧡🧡🧡🧡