eu tinha um emprego formal de advogada, usava terno, salto bem alto e maquiagem leve — ordens do meu chefe. num dia de fevereiro, há oito anos, rompi dois tendões do meu pé esquerdo e fui obrigada a me afastar do serviço para me cuidar. fiquei usando muletas por um bom período.
tive a tristeza desse pequeno acidente acontecer bem no carnaval, uma das épocas do ano em que mais me sinto viva! na ocasião, eu namorava um cara que me fez uma surpresa: alugou uma cadeira de rodas e me levou para praça, onde estava concentrado um bloco. chegando lá, a magia do carnaval aconteceu: uma amiga passou purpurina no meu rosto e começaram a tocar as clássicas músicas que mexem com meu coração. emocionada que sou, cantei de peito aberto e chorando: “eu queriaaaaa que essa fantasia fosse eterna”! um fotógrafo captou essa cena e a imagem saiu publicada num jornal, que era justamente o mesmo que meu chefe assinava... fui demitida assim que pisei no escritório após expirar o atestado médico!
esse foi um dos episódios da vida de advogada que me fez querer mudar de carreira e virar uma pessoa autônoma, que atua em várias frentes na gastronomia. e essa atuação acabou me proporcionando uma ampliação também do meu ciclo social e das alegrias que acontecem ao conviver com gente feliz.
durante o carnaval deste ano, a música “Baianidade Nagô” tocou em todos os blocos que eu estava, e foi uma delícia estar besuntada com tanta gente por perto. sou introvertida, mas tá fazendo cada vez mais sentido viver coletivamente! e quem leu a newsletter passada sabe da minha meta de chamar uma pessoa desconhecida por semana para tomar um café. ela segue funcionando, e eu tenho conhecido gente incrível, de todo tipo!
outro fuso (ou: tudo o que um dia foi mar)
enquanto eu estava mirando as muralhas no entorno de um rio esverdeado, em Bonito, no Mato Grosso do Sul, me contaram que o calcário forma a maior parte das belezas por aqui. ele é responsável pelos cones de trinta metros, presentes no lago azul de um abismo chamado Anhumas, estimado em quinze milhões de anos, além de ser uma espécie de filtro que causa a transparência dos rios, também forma as grutas e deixou meu cabelo e pele com uma textura totalmente diferente.
em Bonito, a comida tem influência paraguaia, por conta da proximidade territorial, e conta com a riqueza dos frutos do Cerrado, Mata Atlântica e toda a planície pantaneira. mas basta pegar uma estrada para observar a poeira da soja sendo colhida em todos os lados, a monocultura comendo a terra.
para uma mineira, acostumada com o mar de morros de Minas Gerais, é uma mudança enorme de perspectiva perceber que dá para dirigir em retas intermináveis. peguei estrada, vi pores do sol que jamais saberia descrever, observei colheitas de soja, passei horas conversando com pessoas diversas no restaurante em que trabalhei.
a Maria, chef de cozinha da praça de produção do restaurante onde eu vim prestar uma consultoria para implementar pratos vegetais e otimizar os processos de conservação, me ensinou como fazer chipaguazú, uma espécie de torta cremosa feita com espigas de milho fresco: minha nova paixão! por isso, compartilho com vocês agora a receita da Maria, para ser feita num tabuleiro de 20cm
chipaguazú
rendimento:
1 tabuleiro de 20cm
ingredientes:
1 ovo
2 xícaras de leite integral
2 cebolas fatiadas em meia lua
4 cl (sopa) de azeite de oliva ou óleo vegetal sem sabor
5 espigas de milho cru
50g queijo parmesão ralado
150g de queijo mussarela ralado
sal a gosto
modo de fazer:
pré-aqueça seu forno no grau máximo
enquanto isso, numa panela, doure a cebola no azeite e só então misture todos os outros ingredientes, exceto o queijo parmesão
mexa até formar uma massa consistente
distribua a massa na forma e adicione o queijo parmesão por cima
diminua seu forno para 180 graus e deixe assar por 40 minutos ou até dourar, depois aumente o forno para o grau máximo e espere alguns minutinhos até o queijo gratinar
se fizer, me conta? :)
o que andei lendo
minha amiga Hyara abriu a Aigo, uma livraria que fica no Bairro Bom Retiro, em São Paulo, e fez uma belíssima curadoria de livros culinários, que conta com traduções de vários países. através dela, conheci a Joanne Molinaro, do Korean Vegan, e me apaixonei perdidamente. recomendo uma visita com horas disponíveis para fuçar a livraria toda: vale cada segundo!
sou maluca por livros destinados a crianças e adultos, acho incrível sentir que é possível contar histórias de maneira sintetizada, de modo que qualquer pessoa possa entender. no momento, estou encantada com a coleção do Saramago.
minha irmã lançou Parei o Tempo e Pensei em Você, um livro com fotografias impressas que trazem cenários de vários países, num contexto que envolve arte e moda. participei do projeto de escrita e fiquei feliz com a obra da Lorena no mundo. para quem quiser saber mais, falei dessa minha irmã, talentosíssima, na edição que envolveu o assunto cores.
em dez anos, ainda cozinharemos?
o iFood investiu pesado em marketing durante o carnaval e o CEO, Fabrício Bloisi, do pedestal da sua autoestima delirante, disse que, em dez, anos ninguém vai mais cozinhar. vira e mexe, ele presta esse tipo de declaração, que gera polêmica e audiência (e, é claro, precisa ser combatida). lembro bem de quando, em 2020, ele disse que “cozinhar em casa é muito 2003”.
como pessoa que trabalha dentro da área de organização de sistemas em cozinhas domésticas e profissionais, posso dizer que existem inúmeras formas da gente se organizar para planejar a semana e cozinhar mais em casa, indo na contramão dessa lógica neoliberal do iFood.
não sou contra os deliveries, mas tento ao máximo pedir comida via telefone, sem aplicativos envolvidos, pois, quando o lucro de um lanche se divide entre várias empresas, vai diminuindo junto o lucro do restaurante. todos nós saímos perdendo, seja quem cozinha ou quem come.
há quem funcione se organizando na cozinha, por escolha ou falta de opção, congelando porções de marmitas para a semana, ainda que tenha que comer a mesma coisa todo dia (eu faço isso de vez em quando, apenas com receitas de panelão farto, como estrogonofe ou chana massala, por exemplo). como posso escolher, prefiro não comer a mesma coisa todos os dias. há quem funcione instituindo idas ao self-service da esquina algumas vezes na semana, cozinhando outras vezes, pedindo um delivery aqui e ali… há também quem, como a Sandra (do Papacapim), seleciona receitas a partir de certos ingredientes. e tem também a Má Archangelo que, através de uma assinatura paga, entrega para as alunas um esquema semanal a ser seguido.
eu adoto alguns métodos na minha cozinha doméstica ee quem me acompanha pelas redes certamente já percebeu: gosto de conservar e fermentar vegetais com técnicas que podem ou não trazer acidez, e daí planejo a vida na cozinha repetindo uma lista de tarefas que funciona, para mim, semanalmente, sem precisar comer a mesma comida todo dia.
a internet está cheia de possibilidades e eu incentivo todos vocês, pessoas queridas que me leem, a ter consciência de que cozinhar em casa pode não ser tão horrível assim (tudo depende, é claro, do quão explorada é a pobre alma da qual estamos falando).
espero que, a longo prazo, dentre muitas outras políticas públicas, a gente consiga ter apoio governamental, com cozinhas públicas equipadas, que possibilitem aos trabalhadores condições decentes de fazerem ou esquentarem sua própria comida, assim como a sociedade italiana fazia na Pompeia, onde todos podiam usar os fornos públicos, sem custos.
consultoria de planejamento alimentar
se você quiser meu acompanhamento de perto no caminho para cozinhar mais em casa, para conversarmos a longo prazo sobre técnicas e métodos para conservar sua comida e criarmos muitos pratos juntos, que atendam à sua necessidade, me chama via WhatsApp, que eu mesma vou te ouvir e contar como funciona o serviço!
com amor e com fome de novos sabores,
Carol Dini
para fazer uma escritora feliz e contribuir com o crescimento do Jornalzinho, você já sabe o que fazer :)
créditos:
revisão de texto: Ana Luiza (@revisa.prosa)
fotos: Lorena Dini (@diniloris)
foto da receita: arquivo pessoal
Fiquei curioso para ver a famosa foto que saiu no jornal.
fiquei chocado com a história do carnaval (e curioso pela foto haha)